lunes, 29 de diciembre de 2008

Calmarias e tormentas no oceano midiático, entrevista con Dellano Rios.

CADERNO 3

Por formação, o inglês Peter Burke é um historiador. Suas preocupações teóricas - o estudo da cultura, entrecruzado por reflexões acerca das comunicações e do conhecimento - o conduziu a um ponto intercessão, no qual dialogam disciplinas como a história, a antropologia, a sociologia e as teorias da mídia. Em entrevista ao Caderno 3, por e-mail, Burke falou sobre as transformações da mídia e os desafios das pesquisas de comunicação

Nos últimos tempos, temos visto jornalismo e história cada vez mais associados. Certas teorias vêem muitas afinidades entre as duas áreas. Além disso, muitos jornalistas têm escrito livros sobre temas e personalidades históricas. Quais são os pontos mais frágeis dessa ligação?

Hoje vemos uma dupla ligação entre os historiadores e os jornalistas, uma vez que alguns historiadores (entre eles, eu mesmo) escrevem para jornais, enquanto que alguns jornalistas tem escrito livros de história. Creio que esta relação é positiva, já que diferentes tipos de pessoas têm habilidades e pontos de vista diferentes. Podemos dizer que a história é importante demais para ser confiada apenas aos historiadores! Mas também existem alguns riscos, e, para mim, o mais óbvio é o dos jornalistas que escrevem sobre temáticas históricas, especialmente do período anterior à (digamos) 1900, sem que tenham uma formação historiográfica. Os jornalistas que lidam com a história são aptos a trabalhar de forma crítica com suas “fontes”, no entanto diferentes tipos de fontes, dos períodos diversos que se pesquisa, apresentam tipos de problemas que também são diferentes. Neste caso, a melhor solução seria ter uma colaboração entre um historiador profissional e o jornalista, mesmo que todo o trabalho deste historiador seja ler o manuscrito e fazer alguns comentários, antes do livro ser publicado!

Me parece que, no passado, o jornalismo tinha uma papel político mais marcante - e não apenas no sentido defender os interesses das elites. Neste século, o jornalismo se transformou, rapidamente, em um produto que é determinado pelas leis de mercado. Que papel o jornalismo ainda pode desempenhar neste contexto?

Até onde sei, desde a invenção dos jornais e revistas no século 17, o jornalismo tem sido orientado para o mercado. Isso não impediu os jornalistas de desempenharem um papel político, na Revolução Francesa, no século 19 e assim por diante. Por que isto não poderia acontecer hoje em dia? Acaso os editores e donos das empresas jornalísticas estão dando aos jornalistas menos liberdade do que antes? Ou nós ainda podemos encontrar jornalistas desempenhando este papel político, como acredito ser possível encontrar na Grã-Bretanha?

É possível criar uma teoria geral da imprensa? Ou, para compreender a coisa toda, a melhor saída seria uma grande quantidade de estudos locais?

Eu não levaria a sério qualquer teoria geral da imprensa que não se baseasse em um grande número de estudos empíricos - o que implica em estudos locais. Por outro lado, quem faz estudos locais precisa de uma teoria, ainda que provisória, para testar em sua investigação, a fim de produzir uma análise, bem como para fazer uma descrição.

Penso que a maior parte das pesquisas se concentra no produto em detrimento do modo de produção. Ao proceder desta forma, a academia não estaria deixando de discutir os conflitos centrais da imprensa?

Acho que você está certo quando fala de uma ênfase excessiva sobre o produto, como resultado, sem dúvidas, da maior acessibilidade deste em comparação com o trabalho necessário para reconstruir o processo de produção. No que diz respeito aos últimos tempos, os métodos do jornalismo investigativo podem ser aplicados ao próprio jornalismo - entrevistando editores, repórteres, proprietários de jornais. Para o passado mais remoto, a dificuldade de encontrar fontes é um problema mais grave -, mas eu concordo com você que o trabalho tem de ser feito!

Hans Belting acusou a história da arte de não dar conta de seu objeto. Esta, se concentraria apenas na produção de determinadas linguagens, reconhecidos por classes sociais dominantes de determinados países. A história da mídia não sofreria de um problema similar?

Não tenho certeza se entendi sua pergunta. No caso da “arte” (como algo oposto às imagens, uma distinção que Belting enfatiza), o próprio conceito está ligado às elites culturais. As “obras de arte” foram durante muito tempo associadas, primeiro, aos mecenas e colecionadores ricos; em seguida, aos críticos e “especialistas” (connoisseurs); e, finalmente, aos museus e galerias, nos quais o acesso costuma ser limitado. Não admira, portanto, que o conceito de “arte” esteja em crise, o que coloca problemas aos historiadores da arte. Historiadores de alguns dos principais jornais do século XIX, entre eles o Times, talvez tenham que enfrentar um problema semelhante, com o conceito de “opinião pública” (entendida como a opinião de um pequeno grupo de pessoas) no lugar de “arte”. Mas muitos dos meios de comunicação, dos jornais populares do fim do século XIX ao rádio, à televisão e à Internet, são acessíveis a muitas mais pessoas, o que muda completamente a situação.

Alguns autores falam de um desaparecimento da imprensa, no meio impresso. No entanto, já se falou do desaparecimento da pintura por conta do advento da fotografia; do cinema, por conta da TV. Com o impresso pode se reinventar para sobreviver?

Na minha opinião, o completo desaparecimento da mídia impressa é tão improvável quanto a sua persistência inalterada. Para tomar o modelo do seu exemplo, da pintura e da fotografia, ou o exemplo, na história da comunicação, do manuscrito após a invenção da imprensa, ou do rádio na era da televisão, eu apostaria na sobrevivência do impresso, mas também no declínio de sua importância, associada a uma mudança de função, na qual este se tornaria cada vez mais especializado. É bom pensar a “mídia” no plural, como uma espécie de pacote ou, se preferir, um sistema. Ao se introduzir um novo elemento no sistema, todas suas outras partes, incluindo a divisão do trabalho entre elas, vão se transformar.

A abordagem de temas amplos, como a cultura, a informação e a comunicação, têm sido reorientados a partir da experiência da Internet. A web é um ponto central da cultura moderna ocidental ou esta é uma miragem causada pelas teorias?

Ainda é muito cedo para avaliar as conseqüências culturais do advento da Internet, que só se tornou disponível de maneira mais ampla por volta de 1994! É claro que ela teve um rápido impacto sobre a vida cotidiana de muitos cidadãos, e na minha própria vida. No entanto, o quão profundo é este impacto é algo mais difícil de se dizer. Sem dúvida, a Internet acelerou os processos de busca de informações e de comunicação entre pessoas, mas - para voltar ao que disse antes, ela é apenas parte de um pacote. Só estamos começando a aprender a explorar esta nova mídia, descobrindo suas fraquezas e seus pontos fortes. Por esta razão, acredito que falar que a rede já produziu uma reorientação da cultura é, para usar suas palavras, uma miragem teórica.

O surgimento da Internet já foi comparado ao invento de Gutenberg. O impacto produzido por um e outro são da mesma ordem de grandeza?

Se você tivesse vivido na Europa em 1464 e perguntasse a um estudioso sobre o impacto da imprensa, ele provavelmente teria tido muito pouco a dizer. Por 1500, por outro lado, você teria ouvido tanto elogios como críticas à nova invenção. Você me daria mais algumas décadas para pensar na sua pergunta? o

DELLANO RIOS
Repórter

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